
A promoção da cultura científica nas crianças é abordada pelas investigadoras Xana Sá-Pinto e Joana Rios da Rocha, da Universidade de Aveiro, na rubrica (H)À Educação. A rubrica é uma iniciativa do Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro.
Estávamos de férias, quando a Sara, de oito anos, nos surpreendeu com esta pergunta: “Mamã as formigas gostam mais de migalhas de gressinos ou de pão?”. Quando questionámos o motivo da pergunta, respondeu que achava que as formigas estavam a levar para o formigueiro mais migalhas de gressinos. Podíamos ter dito que não sabíamos a resposta, ou apresentado as nossas explicações. Mas muitas vezes a melhor forma de responder às questões das crianças é perguntar-lhes o que é que elas acham e a partir daí iniciar uma conversa sobre o assunto em causa. Responder às perguntas perguntando cria oportunidades para a criança pensar, expressar e justificar as suas ideias. Este processo pode demorar mais, mas permite exercitar o pensamento crítico e criativo e a capacidade de comunicação, o que não acontece se o adulto se limitar a responder. Tínhamos tempo, por isso, reconhecemos o interesse da observação da Sara e perguntámos-lhe se existiriam outras explicações para o que observara. Sara ficou pensativa e calada. Esperámos… A ciência dizia-nos que, tendo tempo e oportunidade, as crianças são capazes de gerar explicações interessantes para observações que fazem.
-Se calhar as migalhas de gressinos caíram mais perto das formigas. Ou então são mais pequenas e as formigas carregam-nas melhor. – disse Sara.
Tínhamos tempo e as ideias da Sara eram perfeitas para uma experiência.
– Que boas hipóteses, Sara. Queres testar? – desafiámos.
Radiante, Sara aceitou o desafio:
– Sim, vamos pôr-lhes migalhas de gressinos e ver quanto tempo demoram a levá-las.
A experiência que a Sara descrevera não era a mais adequada, mas em vez de lhe dizermos, questionámos novamente:
– Se fizermos o que estás a propor achas que saberemos se as formigas gostam mais de migalhas de gressinos ou de pão?
– Não. Também temos de ter migalhas de pão. – Respondeu a Sara – Temos de ter migalhas dos dois tipos e ver quais é que as formigas demoram mais tempo a levar.
Sara tinha identificado duas coisas importantes numa experiência – o que vamos variar – neste caso o tipo de migalhas – e o efeito que vamos medir – neste caso o tempo que as formigas demorariam a levar os diferentes tipos de migalhas. Mas para a experiência ficar bem feita era importante que a Sara tivesse em conta os outros fatores que poderiam influenciar os resultados. Perguntámos então onde deveríamos colocar as migalhas de pão e as de gressinos e como deveríamos fazer as migalhas. Depois de pensar um pouco, a Sara respondeu que os dois tipos de migalhas deveriam ser colocados no mesmo sítio e ser do mesmo tamanho. Quando lhe perguntámos porquê a Sara pensou mais um pouco e respondeu:
– Porque se as formigas levarem primeiro um tipo de migalhas, não vamos saber se é por causa daquilo de que são feitas, do sítio onde estão ou do tamanho delas.
– Muito bem, Sara – incentivámos – numa experiência devemos variar uma coisa de cada vez. Se variamos o tipo de migalhas, tudo o resto deverá ser igual. Olha, quantas migalhas colocamos?
– Tem de ser o mesmo número de cada – respondeu – E se fossem cinco de cada?
Escolhemos migalhas de pão e de gressinos mais ou menos do mesmo tamanho e colocámos cinco de cada em três locais diferentes. Foi divertidíssimo! Primeiro ver as formigas a descobrir os locais das migalhas e depois vê-las a levarem-nas para o formigueiro. Nos três locais as formigas levaram sempre primeiro as migalhas de gressinos e só depois as de pão. Após algum tempo e várias perguntas (nossas), Sara sabia agora que a sua hipótese estava correta!
Mas nem sempre é assim. Tal como acontece com os cientistas, muitas vezes as hipóteses que as crianças avançam não estão corretas. Contudo, é importante valorizar todas as hipóteses. Esta é uma das características mais importantes da ciência: todas as hipóteses são boas, até serem testadas. São os resultados das experiências e as evidências que nos permitem rejeitar ou suportar as diferentes hipóteses. Até quando existe uma hipótese aceite pela comunidade científica, esta pode revelar-se errada e ser rejeitada por novos dados e evidências. Assim, é importante valorizar, e se possível testar também, ideias que não pareçam corretas!
Foi o que se passou no inverno… A Sara perguntou-nos porque não estendíamos as meias já dobradas para ser mais fácil arrumar. Na altura, respondemos que assim não secavam bem. Sara não desistiu e disse-nos que se não tínhamos experimentado, não poderíamos saber se a sua hipótese estaria errada e sugeriu que testássemos. Planificámos a experiência: procurámos pares de meias iguais e encontrámos quatro pares que molhámos e estendemos no estendal, à mesma distância uns dos outros e da parede: dois pares dobrados e dois por dobrar. Querem saber como terminou esta experiência? Com dois pares de meias dobradinhos e muito malcheirosos porque após uma semana ainda não tinham secado. A hipótese desta vez não estava correta… mas foi divertido testá-la!
(Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)
Xana Sá-Pinto e Joana Rios da Rocha, Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro
alexandrasapinto@ua.pt;
joanariosrocha@gmail.com


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